Acidente com avião da Chapecoense completa dois anos
Em meio a processos judiciais e dificuldades dentro de campo, clube expandiu a marca e aumentou receitas.
A madrugada do dia 29 de novembro de 2016 jamais sairá da memória de quem é amante do futebol. O que parecia ser um pesadelo, foi se tornando real a cada notícia divulgada pela imprensa colombiana. Entre desencontro de informações e o desespero de familiares, veio a confirmação: dos 77 tripulantes a bordo, 71 faleceram. Jogadores, jornalistas, equipe técnica, tripulação e convidados. Os seis resgatados com vida do local do acidente foram encaminhados ao Hospital San Vicente Fundación, em Rio Negro, onde iniciaram a recuperação. O mundo inteiro acompanhou, por dias, a angústia de uma cidade inteira.
Dois anos após a maior tragédia aérea já registrada na história do esporte mundial, o Clic RDC traz um panorama atual do cenário estrutural da Chapecoense. Em um estalar de dedos, o clube saiu de uma final internacional de Copa Sul-Americana, e teve que reconstruir 95% de seu elenco, em meio à tragédia. Além do futebol, a instituição promoveu uma espécie de reforma interna, e passou a ter cuidados exclusivos com futuras indenizações. E com o apoio das famílias das vítimas, criou a Fundação Vidas, que está prestes a ser aberta em Chapecó.
O futebol
A temporada 2018 não chegou nem perto do que o clube planejava. Pelo menos dentro de campo. No ano em que o orçamento será o maior de história – irá girar em torno de R$ 90 milhões – a Chapecoense chega na última rodada do Brasileirão com a possibilidade real de rebaixamento, que representaria uma queda brusca nos investimentos para 2019. Hoje, quem comanda a diretoria-executiva de futebol é o carioca André Figueiredo, que chegou em agosto deste ano para substituir Rui Costa.
“Quando eu cheguei, no dia 12 de agosto, segunda-feira, o time estava em meio a jogos importantes da Copa do Brasil e do Brasileirão. A partir daí, tivemos somente 14 dias de janela de transferências, com muitas restrições. Ficou muito difícil de contratar por essas travas. Acertamos com o Rômulo, do Avaí, mas dois dias antes de fechar a janela, um jogador deles se machucou e eles voltaram atrás. Fora isso, trouxemos o Marquinhos e o Capixaba”, disse André Figueiredo, referindo-se a dois jovens atletas que pertencem ao Atlético-MG.
Hoje, o departamento de futebol é o único capaz de render, a curto prazo, recursos para a instituição através da venda de atletas. Entre os principais investimentos de 2017 e 2018, está o goleiro Jandrei, o zagueiro Luiz Otávio e o meia Diego Torres. Os três tiveram seus passes adquiridos pelo clube. A ideia, futuramente, é negociar os atletas para times maiores. É o caso de Arthur Caíke, que no primeiro semestre deste ano foi vendido por R$ 8 milhões para o futebol egípcio. O investimento nas categorias de base também rende frutos: o atacante Bruno Silva, de apenas 18 anos, tem multa contratual acima dos R$ 30 milhões e já está sendo sondados por times do Brasil e da Europa.
André Figueiredo ainda explica que o planejamento para 2019 depende da permanência na Série A. Mas um objetivo já está traçado: será preciso diminuir a quantidade de jogadores no elenco. Hoje, contando com o time de Aspirantes, o número chega a 40 atletas. “O ideal é termos entre 25 e 27 atletas. E dentro deste grupo, três ou quatro atletas da base”, concluiu o diretor, que ainda revelou ao Clic RDC o desejo de renovar com o técnico Claudinei Oliveira para a próxima temporada.
A marca
A repercussão do acidente expandiu o nome do clube pelos quatro cantos do mundo. Em 2018, as vendas de produtos oficiais foram estendidas pela Ásia, com as imagens de Alan Ruschel como referência. Uma parceria comercial com a Netshoes faz com que o clube ganhe por unidade de venda e por royalties, o que fortalece o caixa anual da instituição. O diretor de marketing, João de Nês, conta que a principal prioridade do setor de criação de conteúdo é manter a essência do clube, mesmo após o acidente.
“Trabalhar com a marca ‘Chape’ requer uma atenção especial, pela proporção que ela tomou. Precisamos manter a essência, fazer com que ela seja sempre respeitada, e ao mesmo tempo ela precisa crescer, degrau em degrau. Buscamos sempre inovação. E trabalhamos ela não só numa projeção regional, mas estadual, nacional e global. Sempre mantendo a essência. E para isso, precisamos achar o ponto (…). Em certos momentos, buscamos uma linguagem acelerada, próximo ao Barcelona, Real Madrid “, explicou João de Nês, em entrevista ao Portal Clic RDC.
Um trabalho integrado faz com que o Marketing produza conteúdos exclusivos para diferentes redes sociais. Além dos já tradicionais Facebook, Twitter, Instagram e Youtube, o setor lançou novos trabalhos no Dugout e no LinkedIn. Hoje, o clube ocupa a quinta posição do ranking das redes sociais de clubes brasileiros. E não foi só virtualmente que os números aumentaram. A Chape está planejando ampliar o número de consulados, que hoje está em 27. E a meta é ultrapassar as fronteiras: em 2019, serão instalados consulados na Argentina e no Paraguai.
Já em relação aos sócios, o número diminuiu neste ano. Entre 2016 e 2017, logo após o acidente, o número de sócios-torcedores atingiu a marca de 15 mil pessoas, entre ativos e não-ativos. Atualmente, o clube registra 12 mil sócios nessa modalidade. Já a categoria “contribuinte”, lançada logo após o acidente como espécie de doação, chegou a ter 16 mil pessoas, espalhadas por todo o mundo. Hoje, somente 600 estão registradas na modalidade. “Nós discutimos, conversamos, até com outros clubes, para entender o que era isso. No primeiro mês, as pessoas não tinham benefícios. Foram doações, no mínimo de R$ 20,00”, explicou João.
Para 2018, os planos do Marketing dependem das eleições internas que ocorrerão no mês de dezembro. Uma das ideias, que já está em andamento, é a realização de dois jogos festivos com o Manchester United, da Inglaterra, e outro com o Torino, da Itália. Os amistosos contariam com a presença de jogadores aposentados e outros que estão em atividade. Além de unir três clubes que sofreram com acidentes aéreos ao longo da história, os jogos serviriam para consolidar a marca fora do Brasil.
As indenizações
Um dos três pilares de reconstrução desde a queda do avião, além do futebol e do marketing, está sendo a área jurídica. Isso por que a Chape passou por diversos trâmites, desde o pagamento do seguro obrigatório até ações trabalhistas e cíveis na Justiça, que ainda estão em andamento. Conforme o responsável pelo setor Jurídico da instituição, Cesair Bartolomei, são 54 processos abertos contra a Chape.
Entre os processos trabalhistas, estão todos os funcionários, dirigentes e jogadores que possuíam vínculo com o Verdão. Já convidados e membros da imprensa, por exemplo, ingressaram na Justiça com ações cíveis. “Estamos priorizando fechar os acordos trabalhistas. Para cumprirmos com a obrigação, parcelamos os pagamentos em um período de cinco até dez anos”, pontuou Cesair, ao Portal Clic RDC. Os valores das ações são protegidos por uma cláusula de confidencialidade, que está sujeita à multa.
Oito ações já foram acertadas na Justiça. O valor é definido após um cálculo, baseado na carreira dentro de campo (no caso dos atletas) e na expectativa da vida, incluindo fatores como idade e base salarial do profissional. Cesair Bartolomei ainda explicou que, depois de acordar as ações e quitar o parcelamento por completo, a Chape não correrá riscos de sofrer novos processos pelas famílias.
Inclusive, famílias e instituição trabalham juntas na busca por direitos. Além de uma ação aberta em Chapecó, o corpo jurídico da instituição entrou nesta terça-feira (27) com uma ação contra o Governo da Colômbia. O foco principal são órgãos responsáveis pelos controles de voo. O estudo foi feito em cima de contratos de seguros. Mais de 800 e-mails foram analisados pelos advogados. Uma ação nos Estados Unidos também está sendo estudada, mas deverá ser aberta somente em 2019.
Na mesma linha, visando a melhora do relacionamento entre familiares das vítimas e o clube, surge a Fundação Vidas. Lançada oficialmente em outubro deste ano, a Fundação tem como objetivo auxiliar familiares que possuem dificuldades financeiras, além de fornecer auxílio psicológico e jurídico. A instituição está em sua reta final de conclusão e, em breve, será instalada em uma sala comercial de Chapecó, adquirida pela Chapecoense. Os recursos serão provenientes de doações de empresas privadas.
Os sobreviventes brasileiros
Dos seis sobreviventes, quatro são brasileiros. O único dos três atletas que voltou aos gramados foi o lateral-esquerdo Alan Ruschel. Ele casou-se neste ano com Marina Storchi. Os dois seguem morando em Chapecó. Em entrevista recente ao Globoesporte.com, Alan relata a alegria de se tornar pai. “Eu tô amando essa nova fase e esse presente que ela (a esposa) tá me dando”. Dentro de campo, Alan Ruschel tem contrato com a Chape até dezembro de 2020. “Tô feliz, claro que profissionalmente queria estar melhor, jogando mais, com o time em uma situação melhor”, finalizou.
Assim como Alan, Jakson Follmann também se casou. E agora atua como Embaixador da Chape. Aos 26 anos, o ex-goleiro tornou-se exemplo de superação no dia-a-dia do clube. Ele também inaugurou uma clínica especializada em amputação na cidade. “Eu quero seguir nessa batida. Poder rumar para a área de gestão e jamais virar as costas para o esporte”, disse Follmann, que recentemente formou-se no curso de gestão da CBF. “Quero ser visto e respeitado pela função que eu vou exercer”, concluiu.
Quem está na batalha para retornar aos gramados é o zagueiro Neto. No mês de novembro, o jogador passou por uma artroscopia, com o objetivo de acelerar o seu processo de recuperação. A previsão é de que Neto volte a jogar em 2019, e, quem sabe, participe até da pré-temporada com os seus companheiros. “A minha luta para voltar ao futebol tem sido muito grande e às vezes até estressante”, afirmou o defensor, que no início do ano renovou seu contrato com o Verdão até 2020.
O único membro da imprensa que resistiu ao acidente aéreo foi Rafael Henzel. O jornalista, que faz parte do Grupo Condá de Comunicação, lançou o livro “Viva como se estivesse de partida”, no primeiro semestre de 2017. Hoje, Henzel segue com sua rotina diária na Rádio Oeste Capital. “Eu acabei me tornando (dos sobreviventes) o mais acessível de todos. E isso me ajudou bastante naquele momento, por conta do carinho que as pessoas me passavam”, afirmou ao Clic RDC.
Além de manter-se no trabalho, Rafael Henzel leva sua mensagem através de palestras. “Geralmente as palestras são para empresas. E é claro que vou para escolas, hospitais. A mensagem que eu deixo para o público é a minha história e a de pessoas que me ajudaram. Eu me sinto muito feliz por saber que, em algum momento, alguma vida pode ser modificada. Não só pela história do Rafael. Mas de seis pessoas, que tiveram um milagre em suas vidas, e não ficaram esperando um segundo milagre”, finalizou Rafael Henzel.