O peixe do milagre de Jesus era Tilápia

Também conhecido como Saint Peter, o pescado mais consumido, hoje, no Brasil e nos Estados Unidos, já habitava as águas do Mar da Galiléia.

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O peixe do milagre de Jesus era Tilápia

Rodrigo Leitão

Conhecido também como “o peixe de São Pedro”, por causa da passagem bíblica descrita em Mateus 17:27, a tilápia era um pescado farto nos tempos de Jesus. Mateus conta em seu evangelho que a pedido de Jesus, Pedro foi pescar um peixe que estaria com uma moeda na boca. Essa moeda pagaria o imposto cobrado aos estrangeiros, em Cafarnaum, no caso, o próprio Cristo. Pedro trouxe uma tilápia!

A tilápia é abundante até hoje no Mar da Galiléia. Aqui no Brasil é cultivada a partir das matrizes do Rio Nilo e tailandesa. Muita gente come tilápia sem saber, porque entre os mais de 100 tipos deste peixe, tem um muito comum, avermelhado, que é chamado de Saint Peter ou Saint Pierre, exatamente por causa dessa passagem bíblica. Isso é uma tentativa de vincular essa tilápia com a verdadeira tilápia da Galiléia, que é o Peixe-de-São Pedro. Lembrando aqui que o Mar da Galiléia é um grande lago de água doce. O mar que banha Israel é o Mediterrâneo.

No Brasil, o peixe que mais se aproxima da tilápia da Galiléia é o peroá, muito conhecido e apreciado no litoral do Espírito Santo e do Rio de Janeiro e que em São Paulo é conhecido como porquinho. Mas o peroá é de outra família, é de água salgada, embora seja uma espécie de primo do verdadeiro peixe-de-São Pedro.

A tilápia é a espécie mais encontrada no Mar da Galiléia. Hoje, em Israel, ela também é chamada de “peixe maravilha“ (foto acima). Na Bíblia, Mateus (14:15-21) também fala que no milagre da multiplicação havia cinco mil pessoas, cinco pães e dois peixes. Muito provavelmente eram duas tilápias, que naquela época eram muito mais abundantes que hoje. Quando você estuda o Jesus histórico, não a religião, você entra num universo diferente da simples citação bíblica. Quando se pesquisa a culinária de época, se descobre também vínculos muito fortes com os nossos hábitos.

Herança árabe para os lusitanos

No mundo ocidental, muito mais para nós brasileiros e para os ibéricos Portugal e Espanha, a culinária tem raízes profundas no Oriente Médio, no mundo árabe. Antes de existirem, Portugal e Espanha foram dominados por mouros, por 800 anos. Pouco ficou da dominação romana daquela região. Muito sobrou da cultura arábica, principalmente na gastronomia e na música.

Até hoje, quem vai a turismo a Israel, quando chega ao Mar da Galiléia, consegue apreciar o prato servido com Peixe-de-São Pedro. É uma receita típica da região e feita à maneira como os mais abastados comiam há 2 mil anos. O peixe era a matéria prima da economia pesqueira da Galiléia e só em momentos de celebração é que se comia o peixe inteiro. Nos demais dias, comia-se farinha de peixe misturada com trigo, uma espécie de pirão.

Então, por causa disso, o milagre da multiplicação foi uma exceção. Jesus promoveu não só uma grande distribuição de alimento para aquele povo pobre que se quer se alimentava da carne que pescava. Isso era o ganha-pão deles, eles vendiam o peixe para os mais ricos. Na verdade, Jesus promoveu um banquete naquele dia.

Hoje, em Cafarnaum, onde Jesus iniciou a série de milagres e onde ficava a casa de Pedro, a tilápia que virou peixe-de-São Pedro é servida assada com batatas fritas. Nesse prato, se você tirar a espinha do peixe vai ter dois grandes filés, porque a tilápia não tem aquelas espinhas pequenas. Por isso é considerada, também, um peixe da família. As crianças podem comer sozinhas, sem problema.

Tilápia bateu o Bacalhau nos EUA

A receita original era acompanhada por farinha, lentilha, azeite e legumes, principalmente couve-flor, cebolas e repolho. Os temperos mais comuns naquela região eram cominho e coentro. Aqui no Brasil, a forma de preparar esse peixe é parecida, mas, geralmente, ele vem acompanhado de farofa ou batata frita, banana e vinagrete.

Hoje, praticamente em todo o mundo se consome tilápia. Principalmente por causa dos chineses, que chegaram a ser os maiores produtores e exportadores, em 2002. Atualmente, a tilápia chinesa está em baixa. O maior mercado consumidor de tilápia, no mundo, são os Estados Unidos. Em uma década, os norte-americanos passaram a consumir de 136 gramas anuais por habitante para mais de meio quilo. Hoje, já se consome mais tilápia que bacalhau nos Estados Unidos.

DICA DE HARMONIZAÇÃO:

Originalmente, acompanhava-se o peixe com o vinho tinto, lá na época de Jesus. Mas, segundo o historiador e enólogo inglês Hugh Johnson, no seu livro “A História do Vinho”, o vinho de Jesus “era ingerido com água do mar”. Eles faziam uma espécie de decantação, reduzindo bem o vinho bruto, mas mesmo assim ficava espesso e turvo e era preciso coar com um pano e dissolver em água quente, para depois beber. A melhor harmonização seria com vinho branco ou rosé, que só surgiram na Idade Média. No caso do vinho branco, para essa dieta da Galiléia, o peixe de água doce vai chamar um Chardonnay, mas você pode pedir vinhos mais aromáticos ainda. Por causa do cominho e do coentro, acho que um Torrontés ficaria maravilhoso com essa tilápia do São Pedro. Aprecio muito três vinhos Torrontés que indico para degustação e harmonização, não só com a tilápia de São Pedro, mas com qualquer peixe de água doce que venha temperado com cheiro verde, cominho, orégano, alecrim e demais ervas silvestres. Vamos a eles. Temático (T), é um vinho jovem, para abrir e beber, elaborado pelo enólogo Maurício Lorca. Muito aromático, exala flores brancas, laranjeira, especiarias e orégano. Tem boas mineralidade e acidez. É um vinho, inclusive, para happy hour em dias de tardes muito quentes. Deve ser servido gelado e acompanha também, com maestria, massas com molho pesto. O preço médio sugerido pelo importador é R$ 65. Outra alternativa é o Leonardo Torrontés (foto), da Bodega O. Fournier, de Mendoza. Esse vinho foi elaborado pelo enólogo espanhol Ortega Fournier para a Importadora Vinci, do Ciro Lila (mesmo da Mistral). Com esse nome, só é vendido no Brasil. As ervas silvestres e aromas florais brotam de longe quando a taça é servida. Foi produzido a partir de vinhedos do Vale de Cafayate, em Salta. A altitude elevada deste sítio da Fournier favorece bastante esse vinho, que tem 13,5% de álcool, o máximo que um bom torrontés deve alcançar.  Custa cerca de R$ 72. O terceiro é Susana Balbo Crios Torrontés. Muito floral e frutas cítricas tropicais como limão e lima e um certo doce do pêssego. Acidez correta e frescor marcam este vinho. Preço médio: R$ 65.

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