Tronxinha e o Futebol como Instrumento de Transformação Social

A Coluna Cultura em Cena conta a história do importante trabalho esportivo, cultural e educacional realizado pelo Tronxinha.

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Tronxinha e o Futebol como Instrumento de Transformação Social

Educar as crianças, orientando-as sobre a necessidade que uma pessoa tem de estudar, ser honesta, respeitar pai e mãe, e ser cordial com os outros. Uma criança não pode ficar com a barriga vazia, precisa estar alimentada. Uma criança alimentada não vai pensar em cometer atos ilícitos. 

Este é o pensamento que o treinador Luis Carlos, conhecido popularmente como Tronxinha, abraçou como sua filosofia de vida,  

O idealizador e o coordenador da Associação Esportiva e Cultural Esperança, fundada em 2001, e localizada no Bairro Jardim José Rupp, em Herval d´Oeste, tem consciência que pensamentos e palavras só terão efeito quando se converterem em ações. Pensamentos e palavras que se perdem em meio a tantos outros pensamentos e palavras, sem jamais serem praticados, não transformam uma comunidade. É preciso agir! 

Em 21 anos, cerca de 3.000 meninos com idades entre 5 e 17 anos passaram pela Escolinha de Futebol do Tronxinha, como é popularmente conhecida. 

É preciso mergulhar fundo no ideal do projeto que mantém todo ano cerca de 200 crianças treinando futebol no Estádio Municipal do Bairro Jardim José Rupp, para compreender a dimensão do gigantesco trabalho realizado pelo ex jogador do JEC – Joaçaba Esporte Clube, utilizando a bola como instrumento de transformação social, Tronxinha faz de sua Escolinha de Futebol uma escola que prepara seus alunos para a vida. A regra número um para quem quer participar dos treinos é frequentar a escola, e levar os estudos a sério, apresentando um bom rendimento escolar. Este rendimento é acompanhado através das notas que são cravadas no boletim. Se algum deslize acontecer em algum trimestre, um prazo para melhorar o desempenho é estipulado, e se neste prazo não acontecer a melhora, o aluno é afastado dos treinos até que o objetivo seja alcançado. 

Aprendem que pai e mãe são sagrados e que eles precisam ser respeitados. Aprendem que ser cordial com todos é um atributo que enobrece o ser humano. Aprendem que atos ilícitos levam a degradação social, e a ruína do indivíduo. 

A Associação Esportiva e Cultural Esperança trabalha em conjunto com o Conselho Tutelar de Herval d´Oeste, e qualquer acontecimento relacionado com algum aluno, Tronxinha é comunicado. 

“Entre as 3 mil crianças que passaram pela Escolinha, nunca houve reclamação do Conselho Tutelar, nenhum menino teve envolvimento com criminalidade. Nesta escolinha , através da bola, nós fazemos a condução da educação dele. Ele tem regras. Se ele não tira nota boa, não é o pai que vai atormentar ele, é o treinador que não vai mais deixar treinar. Nosso município é conhecido no esporte em Santa Catarina através da nossa escolinha” .

Alunos da Escolinha que são órfãos de pai ou de mãe, recebem um suporte maior. Um olhar mais atento e mais intenso acompanha as ações destes meninos, e seguidamente são convocados para um bate-papo, e através desta conversa, Tronxinha procura tomar conhecimento se está tudo certo, se o almoço está legal, se não está faltando o feijão ou o arroz. Preocupação que muitas vezes o leva à residência do aluno, para conversar com o pai ou com a mãe, e caso haja dificuldade em prover a mesa, uma cesta básica é doada para a família. 

 “Uma criança alimentada não rouba, e não faz sacanagem nenhuma. Minha preocupação é não deixar estes meninos sem estudar e não passar fome”. 

O projeto tem como base as experiências adquiridas por Luis Carlos em suas passagens pelos times que jogou, e que tinham como exigência o desempenho do profissional na escola. 

“As vezes o menino não tá bem no estudo, mas quer treinar. Eu fico acompanhando e o Conselho Tutelar também. Se não está estudando, eu chamo o Conselho e eles vão nas escolas para encontrar uma sala de aula que possa acolher ele. Aquele que está com a nota ruim no boletim, eu chamo e converso. Nossa menina dos olhos é o boletim. Quer ver eu ficar feliz, é quando não tem ninguém mal no colégio”. 

“Tem menino que começou com 5 anos comigo, e está ali, agora com 15 anos. Praticamente toda a piazada que está ali começa na turma dos 5 aos 11 anos, e segue no rendimento. E para continuar tem que estar com o estudo legal. E quando ele está pronto para o futebol, ele está pronto também para fazer uma faculdade. Então se ele está ali, cumpadi, é por que ele estuda legal, né. Ele tá estudando bastante, e ele não roda. Este ai que é o entendimento da escolinha. Em primeiro lugar, cumpadi, estamos preparando ele para ser um cidadão, para ser honesto, um piazão educado, saber como é família, respeitar pai e mãe.

Depois olhamos para o estudo deles. Praticamente 80% não vai ser profissional de futebol. Mas, ele está com uma indicação para a vida. É um piá estudioso, vai ter uma profissão O intuito todo do nosso projeto é este. Por trás da bola nós fazemos isto ai pra ele. A bola é o carro chefe dele. Se não for um profissional, pelo menos ele estudou e está bem amparado. Esta é ideia do nosso projeto.” 

No dia 22 de junho Tronxinha segue com seus alunos para Maravilha, para disputar o Campeonato Sub-15, e em agosto seguem para Fraiburgo para disputar os Joguinhos Abertos. Nos dois campeonatos, estarão representando o município de Herval d´Oeste.

Entre as conquistas alcançadas sagraram-se 3 vezes campeões na Copinha da Rádio Catarinense, conquistaram 3 campeonatos micro regionais, e 4 campeonatos regionais.

Em nível estadual participaram de 4 campeonatos, e o melhor resultado obtido foi um quarto lugar. Também foram vice-campeões na Copa Chapecoense.

Dois jogadores se destacaram na história da Escolinha: O Preguinho foi encaminhado para categoria de base da Chapecoense, e na época em que houve o acidente com o avião do time, estava prestes a se tornar titular. E o Mateus jogou nas categorias de base do Paraná Clube, e foi emprestado por um tempo para um time europeu.

Os treinos de rendimento preparam alunos entre 13 e 17 anos para jogar em campeonatos regionais, estaduais e joguinhos, e acontecem nas terças-feiras e nas quintas-feiras, às 18:00 horas, reunindo cerca de 50 meninos em cada dia.

O treino de sábado reúne cerca de 100 alunos com idades entre 5 a 11 anos, e é uma preparação para a próxima fase, que são as turmas de rendimento.

Em todos os dias de treinamento são oferecidos lanches para todos os meninos, e quem os prepara são mães voluntárias, auxiliadas pela Cleia, esposa do treinador. A família toda é habituada a arregaçar as mangas e dar uma força quando tem festa para a criançada.

“No sábado de manhã, as vezes chega um piazinho e começa a ter dor de estômago. Ele está com fome. Não tomou café, nem nada. Dai chamo ele, levamos pra casinha e damos um lanche antes da hora que eles tem para lanchar”.

Todos os uniformes usados pelos meninos são lavados na própria casa do treinador, pela Cleia, e todo material utilizado para lavar é comprado com dinheiro retirado do próprio bolso.

A verba para manter a escolinha funcionado vem da FIA (Fundo para Infância e Adolescência), mas é pouca para suprir a necessidade de tantas crianças: R$ 12.000,00 por ano. A Scherer Autopeças colabora todo mês com um valor fixo, que é utilizado para comprar lanches e cestas básicas. 

Na viagem que será realizada para disputar o Campeonato Sub-15, em Maravilha, a Escolinha está contando com apoio da Prefeitura Municipal de Herval d´Oeste, através do Prefeito Mauro Martini, da Secretária de Educação, Cultura e Esportes, Silvana Lazarini Bulla, e do Diretor de Esportes, Sidney de Lima, "Robinho".   

Luis Carlos prepara todas estas crianças ajudado pelos amigos Roni Edson Lenz e Juarez Alves, que assim como o treinador, trabalham como voluntários.

Tronxinha nasceu entre os bairros Jardim Floresta e Lindóia, no norte de Porto Alegre, em uma época em que esta região fazia parte da zona rural, com muito mato, e terra destinada a criação de gado e a produção de alimentos. 

A dureza de um tempo que transformava meninos de 8 anos em pequenos adultos, arrancava o pequeno Luis Carlos de sua cama quando o breu da noite ainda escondia a paisagem que se avistava da janela do seu quarto. Iniciava um mesmo ritual que se repetia sempre no mesmo horário, dia após dia, com Carlinhos ajeitando seu banquinho em frente a uma das vacas criadas pela sua família. Depois sentava, arrumava o balde em meio as suas pernas, lavava o úbere, e ordenhava o leite. 

Missão cumprida, partia para tomar o café da manhã, enquanto sua mãe preparava o lanche que levaria para comer durante o recreio escolar, recheando duas fatias grossas de pão, com banha. Café e banho tomado, colocava seu chinelo, uma bermuda, guarda-pó branco, uma gravata, e pegava a estrada, pois era hora de ir estudar.

As tardes do menino que precisava se fazer adulto eram preenchidas com muito trabalho, revolvendo e limpando a terra ou capinando o mato que insistia em crescer. Chuva, frio, sol ardente, nada disto era motivo para dar uma rasteira no trabalho, pois havia muito a ser feito na roça.

Quando a geada branqueava toda a terra, o pé ficava tão grosso que nem prego conseguia furar. Mas, nem o mais gelado dos ventos, nem a mais branca das geadas eram capazes de mudar a sua rotina.

“Naquele tempo não tinha veneno. Eu, meu pai, minha mãe, minha vó, meus tios, nós íamos capinando para não deixar o mato tomar conta. A família toda pegava junto.”

 O apelido Tronxinha lhe foi dado por um tio após um acidente. O pai solicitou que ele fosse buscar uma égua que estava em um campo distante, e que ainda não era domada. Carlinhos foi cumprir sua tarefa e quando chegou no local, encontrou a égua somente com o buçal (arreio que vai do pescoço à cabeça do animal) e uma corda. Varreu seus olhos por toda a vastidão do lugar, e só de olhar toda aquela lonjura, um cansaço imenso abateu sobre seu corpo. Olhou novamente para o animal, firmou o pé no corpo dele, e com um impulso, saltou sobre o seu dorso, e se agarrou em suas crinas.

A égua cismada com tamanho abuso, fixou seu olhar no olhar do pequeno insolente, relinchou alto em represália, abaixou as orelhas, e partiu em disparada, completamente alucinada, com um único propósito: retirar aquela criatura de cima de seu corpo.

Carlinhos grudou firme no corpo do animal enquanto ele galopava freneticamente. Como não conseguia se livrar do intruso, a égua bruscamente “pisou no freio”, e o menino que subiu na indomada porque não queria caminhar, criou asas, e cruzou os ares, até que uma cerca de arame farpado surgiu em seu caminho, interrompendo o voo, e roubando-lhe um pedaço da orelha.

Morando no interior, longe de hospitais e farmácias, o concerto da orelha foi realizado com banha de galinha espalhada sobre um pedaço de folha de bananeira, amarrada com um pano na cabeça.

Foi neste momento cinematográfico que um tio apelidou de Tronxinha , em alusão ao nome “Cavalo Troncho”, dado aos equinos que tem sua orelha lesionada por bactérias em ferimentos causados por carrapatos.

Antes de começar nas categorias de base do Internacional, passou pelo Grêmio Esportivo Itapeva, e antes de começar sua história nos clubes de futebol de Porto alegre, treinava em um campo aberto, nos momentos de folga do trabalho na roça, entre capinar e tirar leite. No mesmo local onde bois e vacas pastavam, improvisava uma trave com forquilha e batia falta, que era defendida por um tio, fazendo o papel de goleiro.

O sonho de se tornar um jogador profissional rondava sua imaginação, fantasiando imagens de um futuro que se dizia incerto, e que tinha como maior adversário o próprio meio em que vivia, e que lhe obstruía a oportunidade de treinar em equipes. Obstáculo que acabou sendo vencido com muita persistência e com muita vontade de transformar aquele sonho em realidade.

Tronxinha jogou nas categorias de base do Internacional, no Esporte Clube Cruzeiro, Juventude, São José, Grêmio Esportivo Itapeva, e no Santa Cruz, no Rio Grande do Sul. Acabou vindo morar no Vale do Rio do Peixe, contratado como jogador do JEC – Joaçaba Esporte Clube. E foi entre morros pintados com o verde das matas, que se apaixonou, casou e constituiu família. Saiu do JEC em um momento em que o time passava por uma crise financeira, e o ex-jogador tinha a responsabilidade de cuidar da sua família. Estava quase retornando para sua terra natal quando recebeu uma proposta de emprego na antiga Perdigão, empresa onde permaneceu por 10 anos. Da Perdigão foi trabalhar no Bonato Couros, e acabou sendo acometido por reumatismo e gota.

Aposentou-se por invalidez, e o excesso de medicação tomada para amenizar as dores ocasionadas por suas doenças, acabou lhe causando insuficiência renal crônica. Precisou de um novo rim, e o transplante foi realizado no ano de 2011, na Fundação Pró Rim, em Joinville. Comprou um terreno no bairro Jardim José Rupp, em Herval d ´Oeste, onde construiu sua morada, e um dia passando em frente ao campo do estádio, olhou para a grama e surpreendeu-se com a sua altura e com o abandono que se encontrava o local. Foi conversar com o falecido ex prefeito Américo Lorini sobre vontade de criar uma Escolinha de Futebol. Lorini não se opôs e foi assim que nasceu a Associação Esportiva e Cultural Esperança. 

Cultura em Cena é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, para destacar o que se faz no meio cultural da região.

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